sábado, 2 de julho de 2011

N.K

Conheçam um pouco mais de Natalie Klein, aka Nk Store, e designer da TalieNK...marca exclusiva da Heaven por aqui. A entrevista foi concedida com exclusividade a revista Marie Claire.






Ela tinha tudo para ser só mais uma menina rica. Filha de um dos mais bem-sucedidos empresários do país, Michael Klein, diretor-executivo das Casas Bahia, foi criada em boas escolas e passou a adolescência cercada de seguranças. Aos 21 anos, no entanto, decidiu que não era do tipo que “vive de herança”. Montou uma multimarca de luxo para descoladas como ela. Quatorze anos e alguns percalços depois, Natalie fez de sua NK Store uma referência em bom gosto no Brasil e uma das dez maiores lojas do gênero no mundo
O presidente norte-americano Barack Obama visitou o Brasil no fim de março. Entre os assuntos mais comentados na ocasião não estavam as parcerias econômicas propostas pelos países — mas sim um vestido listrado, de Marc by Marc Jacobs, usado pela primeira-dama, Michelle. Ou seja, além da presidenta Dilma Rousseff, que estreitou os laços com os Estados Unidos, quem lucrou com a visita dos Obama foi a empresária Natalie Klein, 35 anos, dona da multimarcas NK Store e sócia de Marc Jacobs no Brasil. Os dez vestidos do estoque se esgotaram em poucos dias e uma nova lista de espera precisou ser feita.
Eleita uma das dez maiores multimarcas do mundo pelo style.com, a NK é o principal negócio fashion de luxo do país. Com R$ 1 milhão investido pelo pai, Michael, em 1997, aos 21 anos, Natalie trouxe marcas como Chloé, Stella McCartney e Balmain — em um período em que nenhuma delas priorizava o mercado por aqui. A empresária multiplicou o investimento, ampliou o negócio e nunca mais precisou de ajuda financeira do pai.
A aparente fragilidade de Natalie — magérrima, tem 1,61 m e rosto de adolescente — esconde uma personalidade intrigante. Aos nove anos, após a separação dos pais, passou a capitanear as tarefas domésticas da casa de Michael, com quem ela e os irmãos foram morar. Hoje, comanda 230 funcionários ao mesmo tempo em que é mãe de Ava, 1 ano, sua filha com o estilista Tufi Duek. Em dois encontros com Marie Claire, em São Paulo — um em seu escritório e outro na casa que divide com o marido —, Natalie se emocionou ao lembrar da morte do irmão, Leandro, da vida rodeada por seguranças, de amor e negócios.
“Quando fui morar com o meu pai, eu assumi o papel de dona da casa. Aos 9 anos, cuidava das tarefas domésticas, marcava dentista para meus irmãos”


Marie Claire Como foi a infância da filha de um dos homens mais ricos do país?
Extremamente normal. Minha família não é de gastar dinheiro. Nunca tive um comportamento que caracterizasse que meu pai era rico. Somos comedidos. Tanto que, quando eu tinha 12 ou 13 anos, comecei a ouvir na escola: “Ah, ela é filha do dono das Casas Bahia!”. Só que levávamos uma vida comum. Vira e mexe meu pai dizia que não iríamos viajar nas férias porque já havíamos feito uma viagem no ano anterior. Então, eu não entendia sobre o que os colegas estavam falando... Aí meu pai foi me levar um dia para a escola e eu perguntei: “Pai, a gente é rico mesmo?”. Ele desconversou. Também, era tão rédea curta com tudo — gastos, modo de vida — que nunca nos sentimos ricos desse jeito.


MC Foi mais ou menos nessa época que seus pais se separaram?
NK Um pouco antes disso, eu tinha só 8 anos. Estudei em colégio judaico até a quarta série e, depois, fui para uma escola maior. Meus pais estavam se divorciando nesse período. Curiosamente, fomos morar com meu pai.


MC Por quê?
NK Foi um acordo entre ele e a minha mãe. Meu pai trabalhava muito — trabalha até hoje. A ideia era que a gente fosse para a escola e, depois, passasse o dia com a minha mãe. À noite, dormiríamos na casa do meu pai. Mas acontece que você mora onde você dorme, e só descobrimos isso mais tarde.


MC As crianças em geral preferem ficar com a mãe. Você não se sentiu mal com isso?
NK Não. Eu era criança e não foi uma escolha minha. Mas minha mãe sempre se manteve superpresente. O acordo entre eles foi feito dessa maneira para que nós, filhos, ficássemos o mais perto possível dos dois. Para todos nós, isso era natural. Sempre causou mais estranhamento para as pessoas de fora, mas não para a gente.


MC A distância não abalou a relação mãe e filha?
NK Houve um pequeno período durante a adolescência em que nos distanciamos. Durou pouco. Digo sem pestanejar que minha mãe é a maior parceira que tenho [durante a entrevista, a mãe de Natalie, a arquiteta Jeanete Roizman, servia o almoço para a neta Ava, na cozinha]. Depois que fui mãe, então, nossa relação se estreitou ainda mais. No fundo, ela é a única pessoa em quem eu confio 100% para deixar a Ava.


MC E como o Michael se virou como pai de três crianças pequenas?
NK Incrível, superparticipativo. Ele ia em reunião de escola, olhava boletim. Era exigente, mas nunca demos muito trabalho. Criamos uma consciência de adultos muito cedo. Quando fui morar com o meu pai, assumi o papel de dona da casa. Aos 9 anos, contratava empregada, cuidava das tarefas domésticas, marcava dentista para os meus irmãos... Achava sem graça ser a criancinha.


MC Que lembranças você tem dessa época?
NK As melhores possíveis. Eu era supermoleca, andava de moto, só tenho primos e irmãos homens. Também havia as viagens a trabalho do meu pai. Quando nós três íamos junto, ele nos carregava para todos os compromissos. Era engraçadíssimo. Imagine o presidente de uma empresa, em um jantar superimportante de trabalho... com três crianças! A gente se comportava, ficava ali, sentadinha. Quando me perguntam onde é que aprendi tanto sobre negócios, respondo: “Ouvi do meu pai”. Foram tantas negociações, tantos processos, que me acostumei. “Se você me perguntar: você está plenamente feliz? Eu digo: eu estaria se meu irmão estivesse aqui. É uma falta que faz...”


MC Você foi morar em Miami quando era adolescente. Por quê?
NK Meu irmão mais velho estava morando lá, fazendo faculdade. Era o sonho dele. Eu fui visitá-lo nas férias e me encantei com o high school. E com a ideia de ter 16 anos e morar fora, só com meu irmão. Foram quase três anos fora do Brasil.


MC Sua vida lá era muito diferente da que tinha aqui?
NK Sem dúvida! Primeiro de tudo, eu não tinha de andar com seguranças — e isso era uma maravilha. Também aprendi a me virar: ir ao supermercado, cozinhar, trocar pneu do carro... Foi uma experiência de vida incrível.


MC E por que você voltou?
NK Até os 21 anos, não dá para entrar em lugar nenhum, beber, fazer nada. Minhas amigas do Brasil iam a shows, gravavam fitas e me mandavam. Eu ouvia no carro e chorava... E sentia muita falta dos meus pais. Pensei: “Nossa, o que estou fazendo aqui?”. Faltando seis meses para me formar, falei para meu pai que iria voltar. Ele disse: “Tudo bem, mas tem de entrar na faculdade no final do ano”. Eu não tinha crédito das matérias. Nunca tinha visto química na vida! Mas prometi para ele que faria isso. Então fiz o terceiro colegial de manhã, o segundo colegial à tarde, e o cursinho à noite. Passava o dia estudando e entrei na faculdade que queria: Arquitetura na Faap.


MC Você sempre andou com muitos seguranças. Em algum momento você se revoltou contra a falta de privacidade?
NK Na adolescência, sim. Eu tinha truques para fugir deles: ia ao shopping, entrava no cinema e saía pela porta de trás. Lembro da primeira vez em que saí com um namoradinho, nesta época. Ele foi me deixar em casa e perguntou: “E aí, quando nós oito vamos sair juntos de novo?”. Só que aprendi a conviver com isso. E os seguranças são uns amores, nos damos superbem, eles são discretos. Existem problemas muito mais sérios para se preocupar. Eu me sentiria muito mal de dizer: “Oh, minha vida é um drama porque não tenho privacidade!”.


MC Como era a relação com seu irmão, o empresário Leandro, falecido em 2001, aos 27 anos?
NK Eu era alucinada por ele. Nós éramos muito próximos. Até porque moramos muito tempo só nós dois em Miami. Quando descobrimos que ele estava doente, ele ainda estava lá. Na verdade, foi um diagnóstico errado. Teve um sangramento, mas não acharam que fosse nada grave. Quando descobriram o que realmente era, já estava com um câncer [no intestino] avançado. Foi uma bomba na minha família. A gente perdeu o rumo... queríamos resolver de todas as maneiras. Corremos o mundo inteiro: médicos, hospitais, tratamentos experimentais, curandeiros, tudo. Mas já sabíamos que o caso dele era bastante difícil. Aí ele veio se tratar no Brasil. Acho que os médicos só sugeriram isso para ele ficar perto da família. O tratamento lá era exatamente o mesmo daqui.


MC Quanto tempo ele lutou contra a doença?
NK Dois anos e meio. Neste meio tempo, foram várias cirurgias, viagens para Nova York, Houston. É uma falta que faz..., nossa, para o resto da vida. Se você me perguntar: você está plenamente feliz? Eu digo: eu estaria se meu irmão estivesse aqui [emocionada].


MC Seu pai nunca a pressionou para trabalhar com ele nas Casas Bahia?
NK Por incrível que pareça, me senti muito mais cobrada pelas pessoas de fora do que pela minha família. Quando tive a primeira conversa com meu pai para montar a NK, ele me deu muito apoio. Claro que ele esperava que eu fosse trabalhar na empresa dele, era o caminho natural. Mas eram os outros que me perguntavam: “Nossa, como você não foi trabalhar lá?”, não ele.


MC O varejo popular não a agradava?
NK Adoro varejo popular! Acho espetacular, genial. É o verdeiro luxo, o grande realizador de sonhos. Mas não era isso o que eu queria fazer. Queria trabalhar com moda, com arte. E fiz um compromisso com o meu pai: “Vou montar uma loja própria, mas prometo que vai ser a melhor”. Ele apoiou 100%.


MC Como nasceu a NK?
NK Comecei a planejar a loja em 1996, aos 20 anos, um ano antes de seu lançamento. Cursava a faculdade. Minha mãe é arquiteta e eu tinha fascínio pela profissão. Então, de um lado, eu era apaixonada por arte, fotografia, arquitetura, moda... Do outro, sempre gostei de varejo, compra e venda. Sou dinâmica, as coisas muito permanentes me enjoam. Então não queria mais ser arquiteta — e nem trabalhar na empresa da família.


MC Por quê?
NK Porque, profissionalmente, não iria me realizar. As Casas Bahia já eram uma empresa gigantesca, extremamente bem-sucedida. O que eu iria realizar de sonhos lá dentro? Foi aí que tive a ideia de montar a NK.


MC E seu pai investiu na loja, certo? Que valor ele colocou no negócio?
NK Foi R$ 1 milhão na época.


MC Você teve de devolver o dinheiro a ele depois?
NK Não. Foi um investimento que ele decidiu fazer em mim. E, no fundo, acabou saindo mais barato para ele do que se ele tivesse de me sustentar até hoje [risos]. Depois desse aporte inicial, nunca mais precisei de sua ajuda financeira.


MC E como era, aos 21 anos, bater na porta de grifes estrangeiras e dizer: “Prazer, meu nome é Natalie, vim comprar sua coleção”? O Brasil não tinha tradição nisso...
NK Realmente, o mercado pouco existia. O Brasil não era prioridade. Mas jovem é corajoso, né? Eu chegava a Milão, ligava para os showrooms, mostrava o projeto da loja e fazia meu discurso. Falava sobre o tamanho de São Paulo, que havia espaço para novas marcas. Com a Blumarine, minha primeira grife, o que funcionou foi lábia mesmo. Ninguém em Milão sabe o que são as Casas Bahia. Então, isso não me abriu portas.


MC Depois da Blumarine, vieram outras marcas importantes. Uma puxou a outra?
NK Sim, a Chloé veio logo depois. Mas, quando comecei, existia o mundo Daslu. Era a grande referência de marcas importadas. Então, foi uma dupla dificuldade: trazer para o Brasil, mas não para a Daslu. Só que eu ia preparada. Fiz uma apresentação com estudo sobre a cidade, habitantes da classe AB etc. E, além dos importados, temos as marcas próprias, Talie e NK. A empresa deu certo. Começou a crescer muito, exponencialmente.


MC Mas em 2005, com a inauguração da Villa Daslu, você acabou perdendo para ela as próprias Blumarine e Chloé. Isso foi um baque?
NK Eu morava em frente à obra da Daslu e, quando vi a proporção que ela estava tomando, pensei: essa é minha grande chance, vou ficar sozinha nesse mercado. A Daslu iria se transformar em uma coisa oposta a mim: um império faraônico. A NK é uma loja discreta, fechada. Vou ser a única butique cool, reservada — que era o que eu queria. Mas quando ela levou essas marcas entrei em desespero. Pensei: e agora? E aí comecei a procurar outras, claro. No fim, foi ótimo, porque eu já estava em uma zona de conforto, precisava de uma guinada.


MC Como foi essa virada da NK? O que fez para transformar sua maior adversidade em algo bom?
NK Foi a melhor coisa que me aconteceu. Um chacoalhão no meu tanque. A Daslu se transformou no oposto de tudo que eu almejava — cara, formato, conceito — e eu corri por trás. Decidi ir atrás de marcas que tivessem o perfil da minha loja: cool, jovem, fashion oriented. Ampliei o leque de nossos importados. Foi quando trouxe Lanvin, Givenchy, Balmain, Stella McCartney, Marc Jacobs... foi excelente.


MC Uma pesquisa feita pelo The New York Times mostrou que a maioria das mulheres que ocupam cargo de poder está sozinha. Você já se sentiu amedrontando homens?
NK Acho que mulheres poderosas precisam de homens que não se sintam menores do que elas, nunca. É o segredo para não ficar sozinha. Esse foi meu caminho. Hoje eu estou com o Tufi [Duek, estilista e empresário] e temos uma filha. Ele é um cara que construiu um supernegócio, a gente tem uma história semelhante, a mesma origem, muitas coisas em comum... ele entende meu lado sempre: horários, trabalho, estresse. Seria difícil ficar com uma pessoa que está começando a vida.


MC Como começou o namoro?
NK É uma longa história... nos conhecíamos havia tempos, até por trabalhar no mesmo ramo. A gente sempre se encontrava em viagens de trabalho. Íamos para as semanas de moda com um mesmo grupo de pessoas. Mas eu nunca imaginei! Se alguém me falasse que eu iria ficar com o Tufi, eu responderia: “Sem condições!”. Não tinha a menor possibilidade. Eu estava passando por uma supercrise no meu casamento [com o publicitário Anuar Tacach] e decidi que iria me separar. Nos meses seguintes, passei a sair mais e, como eu e o Tufi temos muitos amigos em comum, nos encontrávamos com mais frequência. E aí... fiquei apaixonada. E ele também! Foi bem legal.


MC O fato de vocês dois serem judeus ajudou a aproximá-los?
NK Sem dúvida. Quando você casa com alguém que segue sua religião, é como morar em um país estrangeiro e encontrar um brasileiro. Com um judeu, metade do caminho já está feito. Sabe o que ele gosta, o que come, quais são suas tradições, valores, o que passou na infância, as músicas, a cultura... É uma supervantagem.


MC Você foi casada antes — e, naquela ocasião, fez uma superfesta. Com o Tufi, não. Por que decidiram não oficializar o casamento?
NK Acho que essa fantasia de noiva é uma vez só na vida. É um protocolo social que hoje não cabe para mim, sinceramente. Não tenho a menor vontade. Eu e o Tufi nos damos tão bem. Moramos juntos, temos uma vida em comum, somos casados mesmo. E temos uma filha: existe laço maior do que esse? É muito mais importante do que qualquer papel.


MC Você e Anuar, seu primeiro marido, ficaram juntos por quase dez anos. Foi traumático se separar?
NK É estranho terminar um casamento. Significa assumir para todos que você tomou uma decisão errada. E a festa, em si, nada mais é do que mostrar para a sociedade: “Olhem, estou casando”. E, quando você separa, tem de dizer: “Escolhi errado, e a escolha foi minha. Ninguém forçou, ninguém me obrigou a nada”. Foi sofrido, claro, separação é difícil. Mas eu demorei mais para tomar a decisão do que para terminar. A parte mais difícil é tomar a decisão. O pior é o antes.


MC Com tanto tempo de relação, por que não tiveram filhos?
NK Não rolou. Não evitávamos, mas a gravidez não veio. Ainda bem, acho que Deus fez as coisas bem-equacionadas. Estava em um casamento que não deu certo, e logo comecei a namorar o Tufi. Ele me falou que queria ter outros filhos, e, um ano depois, eu estava grávida. Foi superplanejado. Ava é a primeira de muitos, espero!


MC Você se sente culpada quando não pode ficar com ela, por conta de compromissos profissionais?
NK Não, sem culpa, porque o tempo em que fico com ela é 100% dela. Durante as manhãs, faço natação com a Ava, a levo no parquinho. É muito melhor do que se ela ficasse o dia todo comigo na loja, mas eu atendesse telefone, fizesse reunião. O importante é a qualidade da presença.

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